lampejos de felicidade
Amo acreditar que há deuses em coisas triviais, como na cultura indiana, só que inventados por mim, para caber no meu mundinho. Por exemplo, quando chove, gosto de pensar que o deus da garoa mandou chover só para mim. Outro exemplo é quando o vento bate nas árvores e elas dançam. Acredito que seja um chamado do deus da dança nos convidando a dançar com o mundo.
Esse mundo paralelo, embora fictício, foi o que me ajudou a passar os anos sem perder a ternura. Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás. Quando digo ternura, quero dizer sobre minha criança interior e a busca pela magia que existe no mundo. Ao contrário do que uma criança normalmente faz – inventa realidades desconexas do que ela conhece- eu sempre busquei o mistério no que meus olhos alcançavam. Através do cotidiano, pelas ruas do meu bairro, as flores dos canteiros, a sala de leitura da minha escola e a igreja de São Jorge que nunca ficou pronta. Tudo isso me chamava atenção e me envolvia em crônicas diárias. Deus parecia ter feito as coisas ordinárias para quem consegue ver além do óbvio. Quem consegue achar a graça clandestina de todas as coisas mediante esse -ou outros- processos de encantamento da vida, encontra os lampejos de felicidade que somente a adultez pode proporcionar entendimento.
Não gosto desse tom de gente sabida, que pode acabar ressoando. Digo com muita clareza de que nada sei e espero ficar alheia de toda verdade, pois com ela, não há, mistérios. O que sou sem as indagações e os “o que será que será?”
Lampejos de felicidade. Essa frase surgiu em um momento de pequena euforia entre Eu, Fernando e Alice em uma sexta-feira de feriado, após uma manifestação no centro da cidade. O dia estava nublado, cinza e até um pouco friento quando chegamos lá, entretanto, o deus dos dias bonitos resolveu trabalhar e com um pouco de mágica, nos cedeu um belo dia cheio de vontade de ser vivido. Todavia, nossa urgência não foi atendida, o dia foi bem “ok” exceto por um momento. Um lampejo de felicidade.
Às três horas da tarde, o dia revelou-se extasiante. Todos os deuses reunidos. A luz do dia era de um amarelo pastel que atravessava as árvores e prédios, criando sombras magníficas. Decidimos então, que pegaríamos o bonde até Santa Teresa. Alice guiava o caminho, enquanto eu, não parava de sorrir e dar pulinhos. Algo iria acontecer. A divindade escolheu me presentear com aquele pôr do sol. Resumo da ópera: assim que chegamos na estação, o funcionário nos alertou que já não havia mais passagens para a nossa pequena aventura. Esgotado. Euforia cessada. Santa Teresa, o bairro mais bucólico da cidade, quiçá, o mais místico, não compartilhou vossa graça conosco. Fernando me disse para escrever sobre isso. Como consequência ou por acaso, o dia foi ficando acinzentado novamente. Voltamos para nossas casas.
Percebo agora que a felicidade do dia foi esse fragmento. A utopia de que a felicidade chegaria em êxtase, toda encorpada e em total plenitude era, e sempre vai ser, apenas um delírio passageiro. Já o momento por si só, é a felicidade clandestina. Além da beleza da imaginação, dos mitos criados e mistérios por aí, existe o detalhe. Sendo assim, os detalhes que fazem o papel de ‘enfeitar’ momentos como esse.
Todo dia acontece algo diferente e esotérico, cabe a nós escolhermos abrir ou não essa janela da vida. Toda decisão é uma porta que se fecha e uma janela que se abre. Um fardo e um bater de asas. Tudo que é real, também pode ser mágico.
141 inscritos! muito obrigada pelo carinho e sejam muito bem-vindos. fiquei tão animada com esse acontecimento, que decidi pegar o computador do meu namorado emprestado e escrever um pouco (depois de uma crise existencial imensa.).
vou deixar aqui algumas recomendações e coisas que tenho ouvido/lido nos últimos dias.
tenho ouvido muito o álbum autointitulado Jards Macalé (1972) Minhas músicas favoritas são 78 rotações e Movimento dos Barcos.
li recentemente o conto da Ursula K. Le Guin, Aqueles que Abandonam Omelas disponível no site do Projeto Cápsula. É curtinho e me fez refletir muito sobre as relações de classe e injustiças sociais.
além de Ainda Estou Aqui que é fenomenal, também assisti o filme Papicha (2019) disponível na MUBI e fiquei petrificada durante o longa inteiro
ouvi muito o podcast Calma Urgente pra ficar informada sobre os acontecimentos políticos Brasil afora.
enfim, é isso, obrigada pela atenção e uma boa semaninha pra vocês! bj bj bj
lindo demais, amiga estrela, você brilha como o pôr do sol! que eterna felicidade é poder te ler! viva os deuses das pequenas coisas, e quem pode enxergar além do ordinário. bjs minha diva