uma utopia carioca
Escrevi esse texto há um mês e não imaginava que Rita Lee poderia partir em uma data tão significativa, no dia em que se completou 6 meses da morte de Gal, no dia em que eu publicaria esse escrito.
Domingo, dia de repor as energias e tentar entender o que tem que ser feito para conseguir viver a semana que, de tão nova, já vem cansada. Tomo meu café, assisto qualquer coisa, faço exercícios para a coluna e cozinho o que tiver na cozinha. Enquanto cozinho, ouço Gal Costa. Mais precisamente, ouço o álbum Gal A Todo Vapor, disco gravado em Outubro de 1971 no antigo Teatro Tereza Raquel, atual Teatro Claro Rio, no Rio de Janeiro.
Vira e mexe penso no período em que Gal esteve no Rio com seu espetáculo às vezes só o que penso – da minha forma saudosista de ser - é nas figuras dos anos 70. Penso em suas Dunas do Barato em Ipanema, em suas Noites Cariocas (Minhas Noites Sem Sono) e em como foi, como a mesma diz, um vulto feliz de mulher. Inclusive, percebi que no álbum Gal está sempre dizendo todas as coisas que é, numa tentativa bem clara de estabelecer suas afirmações positivas sobre si, acima dos conflitos de sua vida, e como também se sobrepor diante da desumanização propalada pela ditadura vivida no país durante aqueles anos. Gal tenta ter os pés no chão e firmá-los na areia, dançar na corda bamba. Mesmo quando está cansada, não diz que vai embora e, se for, talvez volte pois só segue porque gosta de cantar. Assim, quando ouço Gal cantar Fruta Gogóia, me sinto de novo algo, alguém. Volto a ser humano e, depois de semanas sem me sentir uma pessoa, vivendo automatizada, lembro que Eu sou a chuva que Móia, Que refresca bem. Me acalmo.
Ainda na sequência do disco, viajo para um lugar utópico, um Rio de Janeiro pouco distante, cheio de flamingos e sol alaranjado. Uma cidade viva, ao som de batuques e risadas de gente correndo pelas ruas. Sei que já vivi o Rio de Janeiro das alegrias, entretanto, sou a consequência do laço que se rompeu entre as classes. Sei que algumas coisas me foram poupadas e que se quero me sentir parte do litoral, preciso invadir espaços e andar um bocado. Nada disso, porém, me dá medo porque Gal me dá coragem de ser e, sendo o que sou, prevaleço. Eles nunca mais serão os únicos na praia e a Helena de Manoel Carlos pode chorar o quanto quiser com isso. Haverá bailes no Parque Lage.
Enfim, chego na última música, “Luz do Sol”, é uma das minhas favoritas. Me traz a sensação de ter passado por toda a vida e agora, já mais sabida, buscar só o que é essencial para continuar a ser muitas coisas, e não só ser o que der na telha. Pego emprestado a coragem de Gal e me visto com suas certezas para tentar ver, de novo, a luz do sol, para tentar mais uma vez desfrutar de quem sou. E nunca, nunca desistir de tentar.